Estes primeiros dias de outono fazem com que nos distanciemos do mar, se bem que a temperatura das águas ainda não faça tremer os mais friorentos. As praias já não são banhadas pelo sol quente que proporciona encontros e novos relacionamentos, conversas animadas e contatos mais estreitos...
A brisa do mar, porém, continua a atrair os menos ocupados, em passeios reconfortantes durante os quais se alimentam sonhos de viagens e se olha atentamente ao que nos rodeia.
Num dos últimos passeios pelo frequentado calçadão da praia das milícias, recentemente beneficiada em parques e passadiços, deparei-me com a crónica situação de abandono do Forte de São Caetano, só visitado para devaneios de amantes. Construído, para impedir a entrada dos corsários nas praias grande e pequena do Pópulo, o Forte já existia em 1710. Tinha então “9 canhoeiras e 6 peças de ferro incapazes” e os peritos militares diziam tratar-se de uma instalação militar mal construída e mal localizada.
Apesar disso, ela chegou aos nossos dias. Mete pena o desleixo e abandono a que foi votada. Encontra-se em avançado estado de degradação e, se nada se fizer, rapidamente, o mar encarregar-se-á de desmoronar o que resta da centenária fortaleza.
Ao contrário, o Forte de S. Francisco Xavier, ali próximo, erigido para proteger o pequeno areal de São Roque encontra-se, felizmente, em estado de conservação aceitável.
Para além do Forte de São Brás, no centro da cidade de Ponta Delgada, único imóvel da arquitetura militar micaelense classificado de interesse público, existe também o abandonado forte de Santa Clara, junto à rotunda central daquela freguesia, sem qualquer sinalização.
Ao redor da ilha de São Miguel, existiam em 1710, segundo o “Arquivo dos Açores”, 43 fortificações, a maioria já desaparecida. Das que restam, algumas estão muito degradadas, revelando o desinteresse dos cidadãos e entidades públicas por monumentos da nossa história.
No arquipélago, nos finais do século 18, existiam 233 fortificações, número revelador da necessidade de proteger as populações face às investidas da pirataria estrangeira.
Das poucas que chegaram até hoje, algumas viram o seu valor histórico reconhecido pelas entidades públicas que as reconstruíram, dando-lhes destinos educativos e culturais, e constituindo pontos de interesse turístico. São disso bons exemplos os fortes existentes na Horta, nas Lajes do Pico, em Angra do Heroísmo, Praia da Vitória e Vila Franca do Campo.
Em Ponta Delgada, não foi esse o procedimento. Nenhum dos fortes desocupados foi considerado imóvel de interesse municipal e reconstruído, o mesmo se passando com a muralha de defesa que deu o nome à praia das milícias, em adiantado estado de abandono.
Melhor sorte tiveram, em todo o arquipélago, moinhos de vento e de água, e outros imóveis privados e públicos, protegidos da voragem dos “caterpillars”.
Infelizmente, não é a primeira vez que abordo este assunto, sinal de que a preservação do património continua a ser descurada, quando deveria ser um fator importante da afirmação da identidade do nosso povo e da nossa história de cinco séculos.
Nesta hora de renovação dos mandatos autárquicos, impõe-se que se leve este assunto a sério e se tomem medidas urgentes.
O desenvolvimento económico das nossas ilhas tem de passar não só pelos setores primário e secundário, mas sobretudo pela economia dos tempos livres – o turismo – aproveitando os bens históricos e culturais que, apesar de parecerem escassos, não o são. As classificações de Património da humanidade atribuídas a Angra do Heroísmo e à paisagem da vinha da ilha do Pico pela UNESCO, comprovam a nossa riqueza.
Os Açores continuam a receber os maiores elogios da imprensa internacional pelas suas qualidades ambientais e naturais. Porém, é também necessário divulgar este destino como pátria de pensadores, investigadores, cientistas, escritores e artistas, cujas obras integram o património imaterial da humanidade.
Nesta zona do globo, pode parecer que a nossa pequena dimensão está sumida no Atlântico. Mas não.
Temos história, temos gente aqui e repartida pela mundo, e temos alma!
Valorizar o património é valorizar os Açores e os açorianos.
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